Do Rio de Janeiro para o outro lado do mundo

Aviao_Emirates

Primeiras horas da madrugada do dia 19 de abril de 2017. Fechei o zíper da mochila de viagem, levantei a haste da mala e me encaminhei até a porta. Repassei mentalmente a lista de coisas que precisava fazer antes de sair de casa (tirar e jogar fora o lixo, fechar todas as janelas, desligar os disjuntores – menos o do circuito da geladeira, claro!) e me certifiquei de que tudo tinha sido feito. Respirei fundo e dei as costas para a porta me preparando para olhar o meu apartamento pela última vez pelos próximos 25 dias…

Naqueles metros quadrados estavam a segurança e o conforto que construí desde que comecei a trabalhar. Um quarto confortável, uma sala em que gosto de receber amigos e familiares, um banheiro com vaso sanitário e chuveiro com água quente. E, no momento em que eu cruzasse a porta de casa com destino ao aeroporto, estaria deixando tudo aquilo para ir rumo ao Nepal, um dos países mais pobres do mundo, para caminhar por dezesseis dias rumo à base da montanha mais alta da terra: o Everest.

“Nepal??? Mas em que país fica isso?”

“Não era melhor curtir suas férias sem passar perrengue?”

“Você deve ser maluca… tanto lugar mais legal pra ir…”

“Mas não é perigoso? Morre muita gente subindo o Everest!”

Ouvi essas e outras frases do tipo muitas e muitas vezes desde que decidi fazer essa viagem.

Acredito que grande parte dessas reações é motivada por puro desconhecimento. Por aqui mal se escuta falar em Nepal, muito menos como um destino turístico. Quando estava buscando informações sobre a viagem, visitei algumas livrarias em busca de guias de viagem desse país (sim, adoro um guia de viagem impresso!). Nada. Você consegue encontrar verdadeiros calhamaços sobre apenas uma cidade, e livros sobre diversos países da Europa e Américas. Alguma coisa sobre a Ásia. Nada sobre o Nepal.

Pra piorar, as poucas notícias que chegam por aqui sobre esse país, normalmente estão vinculadas a algum evento ruim que ocorreu. Quantas vezes você já ouviu falar em alguma morte de um escalador ou escaladora que tentava chegar ao cume do Everest, ou quando dele retornava? Já viu o filme Everest? Ou, quem sabe, tenha ouvido algo sobre um forte terremoto que atingiu o Nepal em 2015?

Nesse jogo de desinformação, até uma mera “trekker” como eu vira uma escaladora candidata a morrer subindo o Everest!

A mim, só restava acalmar os conhecidos (“Não, não vou escalar o Everest, vou só caminhar até a base dele”), contar um pouquinho do roteiro planejado de viagem e, para os mais entusiastas, compartilhar algumas outras informações sobre o Nepal.

E se você está lendo isto aqui, curioso ou entusiasta, compartilho com você algumas das coisas que acho fascinantes sobre o esse país.

Você sabia que das 14 montanhas que existem no planeta terra com altitude superior a 8.000m, 8 estão situadas (inteiramente ou parcialmente) no Nepal? Você sabia que esse país tem, apesar da pouca área, algumas das trilhas consideradas mais bonitas no mundo todo? Você sabia que, apesar do que pensa o imaginário popular, o Nepal é um país de maioria hinduista e não budista? (Essas e algumas outras informações são apresentadas em mais detalhes nos links que coloquei no final desse post.)

Na hora em que coloquei a mochila nas costas, saí e fechei a porta do meu apartamento para ir ao aeroporto, eu estava com a cabeça e o coração inundados de expectativa. Agora não era apenas sonho. Era uma questão de tempo (dias!) até eu poder ficar de frente com a cordilheira do Himalaia e suas majestosas montanhas. Era uma questão de dias até eu poder ficar de frente para a maior delas: o Everest!

Sendo absolutamente franca, embora eu tenha dito pra mim mesma e para os outros que meu objetivo nessa viagem era aproveitar o caminho, pois a chegada ao Acampamento Base é incerta (principalmente se o mal de altitude fizer seu estrago) acho que não acreditei de verdade, nem por um segundo, que não chegaria até a base do Everest. Isso não era presunção, mas apenas a manifestação de uma força de vontade absoluta de realizar um sonho e de superar limites pra chegar nele. Ingenuamente, eu julguei que a realização do sonho era essa: chegar na base. A desconstrução dessa ideia foi só uma das muitas lições que tirei dessa viagem.

O voo Rio de Janeiro x Dubai (minha primeira “perna” até Kathmandu) pela Emirates tinha previsão de decolar do Aeroporto Internacional do Galeão às 02:05h e chegar a Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, às 23:00h. Considerando o fuso local (que está 7h à frente do horário de Brasília), a duração esperada da viagem era de quatorze horas. Nunca na vida tinha feito um voo tão longo. Isso me afligia um pouquinho, pois tendo a ficar impaciente dentro de um avião. Assim, depois de despachar minha bagagem e já adiantar meu check-in do trecho Dubai x Kathmandu, rumei para o portão de embarque.

A expectativa da vez era pra conhecer uma pequena parte do grupo que me acompanharia no trekking. Se você leu o post introdutório desse blog, sabe que meu planejamento para essa viagem começou após encontrar uma amiga, a Rita, que estava se preparando para fazê-la. Pois bem, a Rita estava indo comigo e junto com ela outras duas amigas dela, a Vanessa e a Eliane, e que eu não conhecia (e que por incompatibilidade de agendas, não consegui conhecer antes). Nós quatro viajaríamos juntas o tempo todo (incluindo uma parada de quatro dias em Dubai, no retorno).

Depois de caminhar por longos corredores cercados de lojas e lanchonetes (quem já teve oportunidade de embarcar no Galeão, após a reforma do aeroporto, sabe que chegar ao portão de embarque pode ser uma verdadeira maratona), as encontro no portão de embarque do voo. Apresentações feitas, expectativas iniciais da viagem compartilhadas, ficamos no aguardo da chamada para embarque.

Esses minutos pré-embarque me permitem fazer uma primeira avaliação dos outros passageiros do voo. Me surpreendo com a quantidade de asiáticos que vão embarcar aqui no Rio. E já vou apresentando meus ouvidos a um idioma absolutamente desconhecido, que não consigo nem chutar qual seja. Na verdade não sei nem dizer se eles falam o mesmo idioma ou se são vários idiomas diferentes sendo falados ao mesmo tempo.

O embarque transcorre de forma tranquila. No avião, já estavam presentes os passageiros que vinham de Buenos Aires (o voo Rio x Dubai, na verdade é Buenos Aires x Rio x Dubai). Consegui marcar meu assento próximo ao das meninas, mas assim que sento em um assento na frente de onde elas estavam, já percebo que não vou conseguir puxar papo. Estou absurdamente cansada depois de virar duas noites trabalhando pra conseguir entregar tudo o que estava sob minha responsabilidade no trabalho. A preocupação que eu tinha de ficar impaciente no voo vai indo embora, na medida em que me acomodo na minha poltrona e na que está do meu lado (o assento estava vago) e o sono vai tomando conta.

As quatorze horas de voo (na verdade acabaram sendo treze) se passaram em flashes pra mim. Lembro vagamente de despertar algumas vezes, olhar pela janela e ter a impressão de que o sol estava o tempo todo ou se pondo ou nascendo. Lembro de ter feito 3 refeições (mas em algumas delas não lembro sequer do comissário de bordo ter levado minha bandeja embora). Lembro de não ter entendido a embalagem de água que vinha junto com a comida (não era uma garrafa, estava mais pra um potinho plástico). Lembro do som de bebês chorando. E lembro de só ter levantado uma vez para ir ao banheiro.

Dormi praticamente todas as treze horas de voo. Acordei me sentindo desperta, pronta pra encarar um novo dia, sair do avião e esticar as pernas. Então abri a janela do avião pra ver Dubai…

E era noite!

Essa é uma das coisas mais doidas da mudança de fuso.  Você dormiu quase trezes horas, logo seu corpo pensa que é de manhã. Começou um novo dia. Certo? E lá vai você dizer pra ele que não. Que na verdade você chegou no aeroporto de Dubai e está indo para o hotel dormir, que já passou das 22:00 h e seu voo só sai no dia seguinte ao meio dia.

Vinha eu tentando negociar isso com o meu corpo, quando mal saímos da ponte de desembarque e já encontramos um funcionário do hotel do aeroporto com uma plaquinha identificando uma de nós e nos esperando para nos levar para o hotel.

Fizemos o procedimento de inspeção da bagagem de mão (e de nosso corpo) pelo raio-x quando veio o primeiro susto: o celular da Eliane havia desaparecido.

Procura dali, daqui, em bolso grande, pequeno, na calça, na mochila…. ela chegou a conclusão de que o celular havia ficado no bolsão da poltrona da frente no avião. O funcionário do hotel nos avisou de que agora a única saída era  ir no setor de Achados e Perdidos do aeroporto no dia seguinte, pois não era mais permitido retornar à aeronave.

E com esse gostinho meio amargo de preocupação pelo celular, fomos para o Dubai International Hotel, localizado no mesmo terminal onde desembarcamos (Terminal 3) no Aeroporto Internacional de Dubai. Deitar em uma cama de verdade – ainda que eu duvidasse que conseguiria dormir – seria um descanso muito bem-vindo ao corpo depois de tantas horas sentada numa poltrona de avião. Um descanso ainda mais bem-vindo quando a alternativa seria aguardar outras doze horas no aeroporto até o horário do próximo embarque.

O hotel tem excelentes acomodações e o kit de amenidades foi excelente pra salvar a pessoa aqui, que pensou em tudo para a viagem mas não teve a presença de espírito de separar um kit de roupas e de produtos de higiene pessoal para passar a noite no hotel do aeroporto.

No quarto do hotel, uma primeira constatação de que eu tinha ido parar num país bem diferente do nosso: enquanto aqui no Brasil é comum vermos nos quartos de hotel um exemplar daquelas bíblias azuis com o Novo Testamento, lá em Dubai um cantinho do quarto tinha uma espécie de tapetinho branco, com um tipo de xale e um adesivo com uma setinha indicando a direção “Qibla”.

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Registro da influência do islamismo, no nosso hotel em Dubai.

Qibla é a direção para onde os mulçumanos devem estar voltados em suas preces diárias, ou salat, e ela aponta para a Kaaba que é uma construção localizada no centro da mesquita mais sagrada do Islã, a Al Masjid Meca (ou Grande Mesquita de Mecca) localizada na Arábia Saudita.

Daquela noite em diante, até o final de nossa viagem, a Rita seria minha companheira de quarto pelos hotéis e lodges que passamos. E eu não lembro se foi pela hora ou se efetivamente não tinha, mas nós duas não pedimos serviço de quarto no hotel. De fato não tínhamos fome, mas com receio de acordarmos no meio da noite perdidas com o fuso e sentir vontade de comer algo, demos uma ligeira passeada pelo aeroporto para comprar algo para comer e beber e retornamos ao quarto.

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Pelo preço, até as maçãs em Dubai deveriam ser de ouro.

Aliás, é por conta disso que vivi a experiência – espero que única na vida! – de comprar uma maçã por dois dólares. Ao câmbio de hoje, eu paguei quase R$ 7,00 numa simples maçã! Não era um quilo nem nada, era só uma maçã. E, pra piorar, não acordei com fome no meio da noite e ainda esqueci ela no quarto do hotel quando fomos embora no dia seguinte…

 

 

 

 

Links com mais informações sobre:

  1. As 14 montanhas com mais de 8.000m de altitude:
  2. O Nepal;
  3. A Kaaba (ou Caaba);
  4. A Morgado Expedições, empresa com quem contratei o pacote com guia e toda a estrutura necessária para fazer o trekking ao Campo Base do Everest.

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